informe o texto

Notícias | Internacional

SAÚDE GLOBAL

Corbevax, a vacina sem patente que pode mudar o cenário da pandemia

O custa de produção equivale a uma fração do preço por dose dos demais imunizantes

Maureen Ferran / The Conversation

22/02/2022 - 09:57 | Atualizada em 22/02/2022 - 10:08

Em dois anos de pandemia, o mundo teve mais de 314 milhões de pessoas infectadas e mais de 5,5 milhões de mortes. E aproximadamente 60% da população mundial recebeu pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19. Mas ainda existe uma alarmante lacuna no acesso global a essas vacinas. Enquanto uma virologista que acompanhou essa pandemia de perto, posso afirmar que essa desigualdade vacinal deveria ser uma preocupação de todos.

Se o mundo aprendeu algo com essa pandemia foi que os vírus não precisam de passaporte. No entanto, enquanto aproximadamente 77% das pessoas de países de renda alta e média-alta receberam pelo menos uma dose de vacina, somente 10% nos países de baixa renda receberam pelo menos uma dose. Os países ricos estão aplicando doses de reforço e até mesmo uma quarta dose, enquanto a primeira e a segunda dose ainda não estão disponíveis para muitos ao redor do mundo.

Mas há esperança de que uma nova vacina chamada Corbevax ajude a fechar essa lacuna vacinal.

Como funciona a vacina Corbevax?

Todas as vacinas contra a Covid-19 ensinam o sistema imunológico a reconhecer o vírus e preparar o corpo para montar um ataque. A Corbevax é uma vacina de subunidade proteica. Ela usa um pedaço inofensivo da proteína spike do coronavírus para estimular e preparar o sistema imunológico para futuros encontros com o vírus.

Ao contrário das três vacinas aprovadas nos Estados Unidos – as de mRNA da Pfizer e da Moderna, e a de vetor viral da Johnson & Johnson’s, que oferecem ao corpo as instruções para produzir a proteína spike – a Corbevax entrega a proteína spike diretamente ao organismo. E assim como as outras vacinas de mRNA já aprovadas, ela também requer duas doses.

Como a Corbevax foi desenvolvida?

A Corbevax foi desenvolvida pelos co-diretores do Centro Hospitalar Infantil para Desenvolvimento de Vacinas do Texas da Escola Baylor de Medicina, os pesquisadores Maria Elena Bottazzi e Peter Hotez.

Durante o surto de Sars de 2003, eles criaram um tipo similar de vacina ao inserir a informação genética de uma porção do vírus Sars em levedura, de forma a produzir grandes quantidades da proteína. Depois de isolar essa proteína spike e adicionar um adjuvante, que ajuda a desencadear a resposta imune, a vacina estava pronta para uso.

A primeira epidemia de Sars foi curta, por isso houve pouca necessidade para a vacina de Bottazzi e Hotez – até surgir o vírus que causa a Covid-19, o Sars-CoV-2, em 2019. Eles então tiraram a poeira da vacina antiga e atualizaram a proteína spike para combinar com o Sars-CoV-2, criando a Corbevax.

Dois grandes ensaios clínicos em mais de 3 mil pessoas na Índia concluíram que a vacina é segura, bem tolerada, com eficácia acima de 90% em prevenir a infecção sintomática da cepa original da Covid-19, e efetividade superior a 80% contra a variante Delta. A vacina recebeu autorização de uso emergencial na Índia, e espera-se que também receba em outros países em desenvolvimento.

Curiosamente, o grupo da Escola Baylor não conseguiu conquistar interesse ou financiamento nos Estados Unidos. Por outro lado, as novas tecnologias, como as vacinas de mRNA, correram à frente — muito embora o design da vacina de Bottazzi e Hotez seja mais avançado graças ao trabalho prévio da dupla nos surtos de Sars em 2003 e MERS em 2012.

Uma vacina desenvolvida para o mundo

As vacinas de subunidade proteica têm uma vantagem sobre as de mRNA, visto que podem ser prontamente produzidas usando a já consolidada tecnologia de DNA recombinante, que é relativamente barata e fácil de escalar. Uma tecnologia similar de proteína recombinante, que existe há mais ou menos 40 anos, foi utilizada para a vacina de Covid-19 Novavax, já disponível para uso em 170 países, e para a vacina recombinante de hepatite B.

Esse imunizante pode ser produzida em uma escala muito maior, porque os centros de manufatura apropriados já estão disponíveis. E outro fator chave para o acesso global é que a Corbevax pode ser armazenada em refrigeradores normais. Logo, é possível produzir milhões de doses rapidamente e distribuí-las de maneira relativamente fácil. Em comparação, produzir vacinas de mRNA é mais caro e complicado, pois elas são baseadas em tecnologias novas, que demandam profissionais altamente especializados, e frequentemente requerem temperaturas ultra baixas para armazenamento e transporte.

Outra grande diferença é que a Corbevax foi desenvolvida tendo o acesso global em mente. O objetivo foi fazer uma vacina de baixo custo, fácil de produzir e que possa ser transportada com um método seguro e bem testado. A chave para isso foi que os pesquisadores não se preocuparam com propriedade intelectual e benefício financeiro. A vacina foi produzida sem um financiamento público significativo: os US$ 7 milhões necessários para o desenvolvimento foram providos por filantropia.

A Corbevax está atualmente licenciada livre de patente pela Biological E. Limited (BioE), a maior produtora de vacinas da Índia, que planeja manufaturar pelo menos 100 milhões de doses por mês a partir de fevereiro de 2022. Esse arranjo, livre de patente, permite a outros países de baixa e média renda produzir e distribuir localmente essa vacina, que é barata, estável e relativamente fácil de escalar.

Tudo isso combinado significa que a Corbevax é uma das vacinas mais baratas disponíveis atualmente. O quão bem ela vai funcionar contra a variante Ômicron ainda está em estudo. Contudo, a história da Corbevax pode ser usada como um modelo para lidar com a desigualdade vacinal em uma época em que a vacinar a população mundial se mostra tão importante – tanto contra a Covid-19 quanto outras doenças que surgirão no futuro.

A necessidade pela equidade vacinal

Há muitas razões pelas quais o acesso global às vacinas é desigual. Por exemplo, governos de nações ricas compram vacinas primeiro, o que limita o fornecimento. E enquanto os países em desenvolvimento têm capacidade de produção, os de baixa e média renda na África, Ásia e América Latina ainda precisam arcar com os custos de encomendar as doses.

O governo da Índia encomendou 300 milhões de doses de Corbevax, e a BioE planeja produzir mais de 1 bilhão para as pessoas dos países em desenvolvimento. Em comparação, os EUA e as outras nações do G7 se comprometeram a doar mais de 1,3 bilhão de doses de vacinas contra a Covid-19, mas somente 591 milhões foram enviadas. Esses números mostram que, se a BioE conseguir produzir as doses planejadas, a Corbevax chegará a mais pessoas do que as vacinas que foram doadas pelos países ricos.

Como a Ômicron mostrou, novas variantes podem se espalhar rapidamente pelo mundo. Elas têm muito mais probabilidade de se desenvolver entre pessoas não vacinadas e continuar a surgir enquanto as taxas globais de vacinação permanecerem baixas. É improvável que as doses de reforço acabem com esta pandemia. Em vez disso, o desenvolvimento de vacinas globalmente acessíveis, como Corbevax, é o que representa um primeiro passo importante para vacinar o mundo e acabar com essa pandemia.
 
Sitevip Internet
Fale conosco via WhatsApp